Durante os anos 70, as crises do petróleo geraram consequências no preço dos combustíveis em todo o mundo. Os países mais industrializados precisaram se reinventar no quesito energético para que não ficassem tão dependentes daquela fonte e, no Brasil, não foi diferente.
Através da criação do Programa Brasileiro de Álcool – Proálcool, o país incentivou a produção do álcool e passou a regulamentar a adição do biocombustível na gasolina – prática que se tornaria útil naquele período pensando na manutenção do preço do combustível e sua sustentabilidade.
Na década de 90, com o Proálcool consolidado, a Lei Nº 8.723 fixou em 22% o percentual obrigatório de adição de álcool anidro à gasolina, mas com variação entre 18% e 27,5% conforme observadas questões de viabilidade técnica ou que envolvam a oferta e demanda do biocombustível. De lá pra cá, diferentes líderes do executivo criaram decretos e resoluções com o intuito de viabilizar a mistura sem que o bolso do consumidor seja impactado negativamente.
Mas não é isso que está acontecendo no governo atual, que insiste em manter, como obrigatória, a mistura de 27% de álcool anidro à gasolina, mesmo em um cenário adverso, com baixa na oferta e alta no preço do biocombustível. Mas afinal, qual é o verdadeiro interesse do governo em manter esse cenário?
Atual cenário econômico do álcool no Brasil
Com a crise hídrica que o Brasil atravessa, a expectativa é que a produção sucroalcooleira sofra uma quebra histórica de 75 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, principal matéria-prima para a produção do etanol. Conforme explicou Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), em artigo publicado pelo portal de notícias G1, essa será a pior safra dos últimos 10 anos, com recuo de até 3 bilhões de litros para a produção de etanol.
Além da crise hídrica, as geadas e incêndios no Centro-Sul, maior região produtora e processadora de cana-de-açúcar do país, também contribuem para a escassez uma vez que estão diretamente ligadas à redução da área de plantio da matéria-prima.
E quais são as consequências dessa quebra histórica para o nosso mercado? A baixa produção de cana-de-açúcar, reduz a oferta de álcool anidro, eleva o seu preço e, consequentemente, impacta diretamente na composição do preço da gasolina. Além disso, há uma preocupação com o desabastecimento do mercado. Como hoje a porcentagem fixada de álcool anidro na gasolina é de 27%, a falta dele ocasiona a racionalização da gasolina entregue pelas distribuidoras aos postos revendedores.
Segundo dados da Cepea/Esalq, a cotação do etanol anidro aumentou 33,25% em um período de um ano (set/2020 a set/2021) e isso, como dito anteriormente, impacta fortemente na composição de preços da gasolina que recebe a mistura.
Conforme lembra o presidente da Fecombustíveis, Paulo Miranda, em documento enviado ao Ministério de Minas e Energia (MME) em maio deste ano, “[…] os preços dos combustíveis são livres na ponta final da cadeia, porém, os postos dificilmente conseguirão absorver mais aumentos devido à crise econômica pelo qual o país passa, para manterem as portas abertas.” Neste mesmo documento, o Sr. Paulo Miranda sugere “[…] a intervenção do governo para reduzir, temporariamente, o percentual da mistura do Etanol Anidro à gasolina para 18%, o que poderá minimizar os problemas com a oferta do biocombustível.”
Evolução da porcentagem obrigatória de adição de álcool na gasolina
Conforme foi mencionado no início deste artigo, a Lei Nº 8.723 fixou em 22% o percentual obrigatório de adição de álcool anidro à gasolina, mas com variação entre 18% e 27,5% conforme observada questões de viabilidade técnica ou que envolvam a oferta e demanda do biocombustível. E é justamente nesses termos que o presidente da Fecombustíveis se embasa ao fazer a sugestão citada anteriormente.
Isso porque, ao longo do período, desde a publicação daquela lei, outros líderes do Executivo fizeram os ajustes necessários naquela porcentagem fixada para atender as demandas, através de decretos e resoluções.
A evolução das porcentagens, com seus respectivos anos e decretos ou resoluções pode ser observada abaixo:
- Março de 1993 – 22% (Lei N° 8.723)
- Maio de 1998 – 24% (Decreto N° 2.607)
- Agosto de 2000 – 20% (Decreto Nº 3.552)
- Maio de 2001 – 22% (Decreto Nº 3.824)
- Fevereiro de 2006 – 20% (Resolução CIMA Nº 35)
- Junho de 2007 – 25% (Resolução CIMA Nº 37)
- Janeiro de 2010 – 20% (Resolução MAPA N° 7)
- Maio de 2010 – 25% (conforme estabelecido pela resolução anterior)
- Agosto de 2011 – 20% (Portaria MAPA Nº 678)
- Maio de 2013 – 25% (conforme estabelecido pela portaria anterior)
- Março de 2015 – 27% (até os dias atuais) (Portaria MAPA Nº 75)
A pergunta que fica, após analisar todo o contexto apresentado, é a seguinte: se outros governos utilizaram a flexibilidade permitida por lei, por que o atual não o faz, visto as condições atuais adversas para o setor? Qual é o seu verdadeiro interesse?
“Dois pesos, duas medidas” no comparativo entre biodiesel e álcool anidro
Há poucos dias, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aprovou uma redução da adição de biodiesel ao diesel de 13% para 10% através de uma Resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
O objetivo é evitar que o consumidor pague mais caro pelo óleo diesel, uma vez que o biodiesel passa por uma forte alta no mercado, algo que traria efeitos negativos à economia do país. A medida foi criticada pela Associação dos Produtores de Biocombustíveis (Aprobio), que sugere ser um “retrocesso” para o setor.
Enquanto isso, produtores de álcool fazem pressão para que a porcentagem do álcool na gasolina não seja reduzida. Além disso, conforme bem colocado pelo jornalista e engenheiro Boris Feldman em seu blog, os produtores de álcool ainda não explicaram como resolverão o problema da escassez do biocombustível e, ainda por cima, utilizam o discurso do argumento ecológico para condenar o pedido feito pelos postos.
Em meio à crise do setor sucroalcooleiro, o governo fica alheio à sugestão de redução da porcentagem de álcool na gasolina o que, claramente, mostra que a corda sempre arrebenta no lado mais fraco.
Mas será que é só isso mesmo? Qual será a verdadeira motivação do governo ao acatar o pedido dos usineiros e não atender a sugestão feita pelos postos, o que, claramente, beneficiaria milhões de consumidores?