A defasagem entre a cotação dos preços internacionais e aqueles praticados no mercado interno dos combustíveis derivados de petróleo no Brasil parece ter chegado a um nível de estresse que já afeta a oferta aos postos pelas distribuidoras. Os principais afetados com o cenário são os postos com marca própria, ou seja, que não possuem contrato de exclusividade com nenhuma companhia de distribuição.
Desde o dia 10 de agosto, relatos de revendedores em mais de 10 estados brasileiros tecem um quadro no qual o descompasso entre os preços praticados no país e aqueles registrados no mercado internacional parece configurar uma estratégia, pelas distribuidoras, de segurar os repasses às revendas para fazer frente a um apagão dos combustíveis em futuro próximo. O motivo: de acordo com a Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom), a diferença entre as cotações internacionais e aquelas praticadas no Brasil é de, pelo menos, 20% nos últimos meses.
É uma conta que não fecha, e é fácil constatar por quê. Um ofertante internacional não vai vender combustível ao Brasil se pode ganhar mais com a venda para países que estão alinhados aos preços mais altos no mercado internacional. Fazer o contrário é antieconômico.
O que se ouve dos revendedores, sobretudo aqueles que estão à frente de unidades que possuem marca própria, é a própria Petrobrás não só diminuiu a cota de repasse às unidades em 40% em agosto, como já anunciou uma redução no repasse de 30% para setembro. A estratégia parece ser clara: a estatal já prepara uma reação a uma possível escassez de combustíveis para privilegiar suas unidades que possuem contrato de exclusividade.
E o que é mais grave: o derivado de petróleo mais afetado com o surgimento desse quadro é o diesel, o mais estratégico dos combustíveis, visto ser por meio dos caminhões que circula uma quase totalidade da produção nacional. O resultado já é conhecido: alta do diesel, alta generalizada de preços e inflação.
Em reportagem veiculada em seu site no dia 14 de agosto, a CNN reportou que distribuidoras menores, localizadas sobretudo na Região Nordeste, queixam-se de não terem condições de competir com os preços praticados pela Petrobrás após o anúncio, pela estatal, do fim da Política de Paridade Internacional (PPI). Haveria risco, inclusive, de sobrevivência de alguns empreendimentos caso o cenário continuasse. O principal preço a ser afetado por esse estado de coisas era, novamente, o do diesel.
Sindicatos que representam revendedores de combustíveis em diferentes estados do Brasil, repassaram a seus filiados algumas orientações sobre como proceder diante do que as entidades entendem como quebra contratual entre a distribuidora e a revenda, caso ocorra suspeita de retenção no repasse de produto.
Entre as sugestões que podem ser adotadas pelos revendedores estão, nesta ordem, um comunicado oficial à Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) sobre a quebra contratual; o registro de um Boletim de Ocorrência na delegacia de polícia mais próxima da sede da revenda e, por fim, uma notificação extrajudicial enviada pelos Correios à distribuidora.
Se o choque é o de oferta e se ele existe de fato, a circunstância de o derivado mais afetado ser o diesel é uma comprovação da veracidade do quadro de escassez de combustíveis. Afinal, o mercado de diesel não é marcado, como o da gasolina, pela existência de um produto diretamente concorrente e substituto com capacidade instalada de aumento de escala de produção como o etanol. Assim, qualquer fator que exerça impacto sobre o diesel se faz sentir quase que imediatamente pelas distribuidoras e, destas, para as unidades de revenda.
Além dos fatores mais conjunturais, existem aqueles que definitivamente pesam e são mais estruturais, cuja resolução adequada levam tempo e uma considerável demanda de mais investimento. O principal deles é o aumento da capacidade interna de refino. Diante de um potencial brasileiro de quase suficiência interna de oferta de petróleo, surge a questão de conferir capacidade produtiva às mais de 17 refinarias nacionais, grande parte das quais se encontram ou abaixo da capacidade produtiva ou simplesmente fechadas.
O outro fator estrutural é a situação de monopólio, na prática, da Petrobras no que diz respeito à capacidade de refino de petróleo bruto no país. Essa circunstância confere à estatal um poder de mercado perigoso, que se agrava em cenários de escassez de oferta de combustíveis.
Por último, uma resposta adequada por parte dos governos Federal e estaduais, seria a continuidade das reduções tributárias outrora adotadas para diminuir o impacto do choque de oferta.
A possibilidade de um apagão no fornecimento de combustíveis derivados de petróleo era uma possibilidade que o setor previa desde os tempos do debate mais acirrado acerca do fim da PPI pelo maior player do mercado brasileiro de combustíveis. Esse fim anunciado veio e, ao que parece, o mercado interno vai ter de desenvolver mecanismos para se proteger de um choque adverso de oferta. As primeiras reações já aconteceram. O caminho é o da seletividade e o da ameaça às unidades de postos com marca própria.
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