Em mais um episódio da pressão que o lobby do setor agropecuário faz, por meio da bancada do agronegócio no Congresso Nacional, para aumentar seus já assombrosos rendimentos, o Governo Federal anunciou projeto de aumento do percentual de biodiesel no óleo diesel, dos atuais 10% para 12%.
O grande problema dessa medida não é nem o aumento no preço do combustível, que certamente virá, pois o setor formado por unidades produtoras de cultivares e usinas não consegue obter ganhos de escala capazes de manter uma estabilidade de preços. O maior desafio é evitar os problemas mecânicos, com os respectivos custos, que esse aumento percentual vai gerar, tanto para os veículos dos consumidores quanto para o equipamento da revenda, sobretudo, as bombas dos postos.
De acordo com parecer técnico emitido pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o limite de biodiesel acrescentado ao óleo combustível final, capaz de não interferir no bom funcionamento dos veículos, é de 10%, que são acrescentados desde 2021. Isso porque ele é higroscópico, ou seja, absorve umidade que vira água e provoca borra nos tanques e entupimento de filtros, bombas de combustível e injetoras. Antes dessa decisão, o percentual era de 13% (biodiesel B13). A meta do Governo Federal é aumentar esse índice para 15%.
Em tese, é um total despropósito simplesmente abandonar um projeto formidável, de oferecimento de um combustível para grandes veículos que seja limpo, com base na biomassa, produzido a partir de um insumo que o Brasil tem totais condições de produzir de forma abundante e barata. Porém, é necessário mais investimento em pesquisa, no sentido da diminuição do acúmulo de substâncias que o óleo deixa nos equipamentos pelos quais passa.
O que não se pode é desenvolver um setor cujo futuro parece promissor às expensas de seus consumidores e operadores finais. Ou, o que parece ser o caso e se configura ainda mais absurdo, manter um subsídio a um produto carente de pesados investimentos de aporte em pesquisa e desenvolvimento para se manter um setor ineficiente e cujos operadores se negam a fazer os investimentos necessários e próprios a um ramo nascente de uma indústria tão competitiva quanto a de combustíveis.
Caso contrário, se o subsídio se manter e se perpetuar, o óleo diesel no Brasil vai passar a sofrer pressões de alta de preços em duas frentes. O do aumento causado pela mera adição do biodiesel, além daquele originado pela cobertura dos custos de futuros consertos e reposições de bombas pelos postos. Só resta saber se com essas novas despesas futuras vai acontecer com a revenda de combustíveis o que acontece atualmente: os verdadeiros responsáveis pelo aumento culparem os postos por uma necessidade de transferência de despesa para o consumidor final que eles não geraram.
Sob o ponto de vista socioeconômico, o biodiesel, tal como desenvolvido nos primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), portava características que faziam dele uma formidável ferramenta de distribuição de renda, na medida em que sua base de insumos eram as oleaginosas como a mamona, o dendê e o pequi do cerrado.
Essas oleaginosas nos davam motivo de orgulho e entusiasmo quanto ao seu futuro como insumos: além de favorecerem os pequenos produtores, ativando assim uma forma inventiva de fomentar o emprego e a renda entre os estratos populacionais de mais baixa renda, o biodiesel produzido a partir desses vegetais tinha uma qualidade superior às versões atuais, e reunia características que poderiam torná-lo uma alternativa tão eficaz quanto ou até superior a seu similar de origem em hidrocarboneto. Bastavam os adequados investimentos em aporte de ciência, tecnologia e inovação. Cada brasileiro que possuísse um pequeno pedaço de terra teria em sua posse uma pequena usina de produção de combustível em potencial, e com a vantagem de não mais representar os danos mecânicos para os veículos que os utilizam em um percentual superior ao recomendado pelas entidades que investem em estudos sobre o tema.
Infelizmente, a cadeia produtiva do biodiesel seguiu o caminho inverso: na busca pelo rápido ganho em escala, feito a qualquer custo, optou-se pela produção com base em oleaginosas ligadas ao agronegócio, à grande lavoura agroexportadora, sobretudo à soja. Nos dias atuais, fabrica-se o biodiesel até mesmo de sebo animal. Se tais condições favorecem o já multibilionário setor agropecuário exportador em detrimento dos pequenos produtores do passado, o resultado, em termos de qualidade do biodiesel, foi desastroso. Houve uma piora considerável na qualidade do produto entregue, mais grosseiro e agressivo aos componentes mecânicos dos veículos que o utilizam.
Por tudo o que foi dito acima, o biodiesel precisa de tempo para se desenvolver e, principalmente, de recursos, tanto financeiros quanto de material humano, para alcançar o nível de eficiência de seu similar de origem fóssil. Precisa, também, de uma correção de rumos: talvez um saudável resgate de suas virtudes de origem. Tais investimentos e tal resgate não podem permanecer apenas sob a responsabilidade do poder público. O multibilionário agronegócio brasileiro e a multibilionária Petrobras, que pretende ser a gigante da produção mundial de biodiesel, devem assumir a maior parte dessa conta.
Somente assim esse promissor combustível, cuja evolução entusiasma a todos, pode vir a ser uma alternativa viável, não apenas para a mistura, mas, em um futuro que só depende da capacidade de organização da sociedade brasileira na alocação eficiente de todos os recursos envolvidos no processo, principalmente no quesito inovação e conhecimento, uma completa substituição do diesel fóssil por sua alternativa vegetal e limpa.