Reuni uma série de tópicos sobre Veículos Elétricos (VEs). O assunto está na “crista da onda” em função de todo o apelo existente para redução das emissões de gases de efeito estufa no mundo.
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Mas quais as vantagens dos Veículos Elétricos? Será que realmente poluem menos? A que velocidade a transição de fóssil para renovável vai ocorrer? Estamos preparados para o impacto econômico que esta transição traz consigo? São muitas as perguntas, para as quais trago algumas considerações a seguir:
Por que os veículos elétricos estão em alta?
Carro elétrico não é uma modernidade atual: já existe há décadas. Por que só agora o tema tem tido tanto clamor? Aponto três principais motivos: o debate mais contundente sobre o aquecimento global; preços dos derivados de petróleo mais altos; e o ganho de escala na fabricação destes veículos, associado às melhorias substanciais nas baterias.
O mundo está buscando alternativas aos combustíveis fósseis, especialmente no segmento de transportes e geração de energia elétrica. De modo geral, um quinto da energia utilizada no mundo está concentrada no setor de transportes e dois quintos na geração de eletricidade.
No Brasil, na esteira da primeira crise do petróleo, a Gurgel Motores apresentou no Salão de São Paulo, de 1974, o Itaipu, um minicarro com capacidade para dois passageiros e o primeiro automóvel elétrico desenvolvido na América Latina.
O pioneiro da Gurgel tinha baterias chumbo-ácido de recarga lenta, baixa autonomia e velocidade máxima de 80 km/h. Apesar da proposta interessante pra época, o conceito não ganhou produção em série. O Pró-álcool foi a alternativa escolhida no país para fugir da dependência dos fósseis naquele momento.
Os veículos elétricos são mais eficientes na transformação da energia elétrica em mecânica. Enquanto um carro com motor à combustão aproveita 30% a 35% da energia gerada pela queima do combustível, perdendo o restante na forma de calor radiante, os elétricos aproveitam 90% a 95% da energia armazenada nas baterias para gerar trabalho. Mas o consumidor quer mesmo saber é quanto ele vai pagar pra ter e abastecer um Veículo Elétrico.
Para fins de comparação, o compacto Renault Kwid, equipado com motor 1.0/12cv a combustão ciclo Otto, consome um litro de gasolina a cada 14,9 km rodados, a um custo de R$ 0,29/km. Similar elétrico, o Renault Zoe, roda 5,51 km com um kWh (quilowatt-hora) de energia elétrica, a um custo estimado de R$ 0,10/km. Isto é, um terço do custo do equivalente à gasolina.
Olhando assim, não há dúvidas de que vale muito a pena ter um carro elétrico! Porém, o custo de aquisição do Zoe, por exemplo, equivale a 4,25 vezes o Kwid. Seria necessário rodar 570 mil quilômetros para valer a pena.
Não se sabe muito ainda sobre os custos de manutenção e seguro dos VEs, o que pode contrabalancear o maior custo de aquisição (ou não). A boa notícia é que os preços dos veículos elétricos estão caindo e devem se tornar acessíveis na próxima década.
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Emissões de gases do efeito estufa: carro elétrico versus gasolina
O grande debate em relação aos Veículos Elétricos está na menor geração de gases de efeito estufa. Estudo realizado pela Union of Concerned Scientists demonstra que, nos EUA, os veículos elétricos emitem metade dos gases de efeito estufa do que um similar à gasolina, mesmo levando em consideração a emissão adicional que ocorre pela fabricação das baterias do veículo elétrico.
Na China, cuja matriz elétrica utiliza muito carvão, o resultado seria pior, mas ainda assim o saldo seria positivo, enquanto no Brasil, que tem uma matriz elétrica bastante limpa, o resultado seria muito melhor.
“Ah, mas e se a energia elétrica for gerada pela queima do carvão?”
O mesmo estudo realizado pela Union of Concerned Scientists a respeito do ciclo de vida dos veículos elétricos e a gasolina demonstra que as emissões de gases de efeito estufa (green house emissions – ghe) são 1% menores quando se utiliza carvão para gerar energia elétrica, quando comparado a um carro a gasolina que faz 12,2 km/L.
O estudo considera, na comparação, todo o ciclo de vida dos veículos, da extração dos minérios para produzir as baterias de lítio ao descarte do veículo no final da vida útil, a extração e refino de petróleo no caso da gasolina.
Se você tiver um carro beberrão, que faça menos de 12,2 km/L de gasolina, um carro elétrico “movido a carvão” emite menos gases, então, sob o ponto de vista exclusivo de emissões, valeria a pena a troca. Lembrando que essa afirmação é válida para os EUA ou locais em que a matriz elétrica é mais limpa do que a de lá (caso do Brasil, por exemplo).
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Um contraponto: se o carro usar outro combustível, o cenário muda. Segundo estudo realizado na Alemanha (DW, em inglês), um carro elétrico no país polui mais do que um movido a diesel. Isto é, o motor diesel é mais eficiente do que um a gasolina e também porque a matriz elétrica da Alemanha depende muito de carvão.
E o Etanol?
Bem, a maioria dos estudos demonstra que no quesito emissões o carro a etanol vai “muito bem, obrigado”. Isso porque boa parte do CO2 emitido na queima do combustível é absorvida na etapa de crescimento do vegetal que deu origem ao biocombustível, que no caso brasileiro é majoritariamente cana-de-açúcar.
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Um veículo movido a etanol tem menos emissões equivalentes do que um elétrico ou híbrido na Europa. Somente um VE cuja recarga da bateria é de fonte limpa renovável supera o carro movido a etanol em relação as emissões atmosféricas.
Mas “nem tudo são flores”, já dizia o poema de Gibran Calheira. Em relação à poluição da água, por exemplo, o etanol passa de “mocinho” a “vilão”. Estudo do ciclo de vida do carro a etanol aponta que o potencial de eutrofização dos mananciais é 3 vezes maior em um carro movido a etanol do que um elétrico.
A eutrofização gera consumo elevado de oxigênio dissolvido da água, levando, em casos extremos, à morte massiva da fauna e flora aquática. Assim, um carro a etanol polui mais a água do que um elétrico, enquanto um elétrico gera mais emissões do que um veículo a etanol e vice-versa.
E o aumento da demanda por energia elétrica?
Outra pergunta recorrente é se teremos energia elétrica suficiente para “abastecer” os VEs. Qual o impacto disso na geração de energia elétrica? Se toda a frota de veículos leves no Brasil, por exemplo, fosse eletrificada, qual o incremento de energia elétrica teríamos no país? Vamos aos cálculos:
- Frota de veículos leves: 41,2 milhões.
- Rodagem média: 40 km/dia.
- Rendimento médio dos elétricos: 6,5 km/kWh (média do Leaf, Bolt e Zoe).
- Toda a frota roda 1.648 milhões de km/dia: (41,2 milhões * 40 km/dia).
- Se toda essa frota fosse elétrica, o consumo de energia seria de 253,5 milhões de kWh/dia: (1.648 km por dia / 6,5 km/kWh).
- Em um ano, o consumo de energia seria de 92.527,5 milhões de KWh: (253,5 milhões de kWh/dia * 365 dias por ano), o que equivale a 92.527,5 GWh/ano.
Para fins de comparação, Itaipu gerou 96.585,5 GWh em 2018, ou seja, é necessário um incremento de energia elétrica de pouco menos de 1 Itaipu para eletrificar toda a frota de carros leves do país.
Toda frota eletrificada pode ser uma realidade na Noruega, que tem 2 milhões de veículos e alto poder aquisitivo (o governo norueguês estabeleceu que até 2025 terá 100% da frota de carros novos composta por carros elétricos), mas é uma utopia no Brasil.
Por aqui, podemos imaginar uma migração lenta e gradual, com os elétricos disputando mercado com os veículos a gasolina, etanol e GNV. Em 2018, o consumo de etanol e gasolina, por exemplo, somaram 60 bilhões de litros no país.
Se 10% da nossa frota fosse elétrica hoje, teríamos uma redução de consumo de 6 bilhões de litros de combustíveis, considerando que a redução de consumo é linear. Neste cenário, deixaríamos de importar gasolina no país, além de sobrar etanol no mercado brasileiro.
Baterias: lítio, o “ouro branco”
O “coração” do Veículo Elétrico é a bateria, responsável por fornecer a energia necessária. O lítio é hoje o principal elemento químico utilizado na composição das baterias de carros elétricos, sendo obtido pela mineração de sais de lítio (sendo esta inclusive a principal crítica aos VEs, já que o lítio é um fóssil finito).
O consumo crescente de baterias fez o preço de minério de lítio quase triplicar nos últimos anos. O Chile é atualmente quem detém as maiores reservas oficiais do elemento, embora estime-se que a Bolívia tenha reservas maiores. A Austrália lidera a produção do minério, tendo mais de 50% do mercado.
O uso crescente do lítio, entre outros metais que compõem as baterias, tende a fomentar novos investimentos na extração mineral. Como vimos em Mariana e Brumadinho, a mineração deixa pra trás um rastro de rejeitos, que logo adiante pode causar desastres se não bem monitorados. Ponto negativo dos carros elétricos.
A logística reversa das baterias, que duram em média 5 anos, é um elemento importante para os fabricantes, que têm apostado no reuso, uma vez que a reciclagem é um processo ainda caro e complexo, não chegando a 10% do total produzido hoje. Esse passivo ambiental precisa ser equacionado.
Nos próximos 10 anos, teremos melhorias das atuais baterias de lítio, mas a grande aposta está nas baterias de hidrogênio, ainda em fase de amadurecimento da tecnologia. Por ora, a “corrida pelo lítio” já começou e impulsiona a produção de baterias para atender a demanda dos veículos elétricos.
Desafios da transição
Aos entusiasmados com os veículos elétricos (VE) vai um alerta: a adoção em massa dos VEs é bem mais complicada do que se pode imaginar. A questão chave é o custo global da transição de gasolina, etanol e GNV para elétrico.
Do ponto de vista econômico, alterar a espinha dorsal da indústria de O&G e da geração de eletricidade tem um custo muito alto. Alguns países ou nichos de mercado poderão fazer uma transição mais rápida, outros não.
A maior parte da frota de veículos costuma se concentrar nas principais metrópoles, o que torna a questão da geração, transporte e distribuição de energia elétrica pontos de dificuldade neste cenário de recarga de VEs. Outra questão é que cada veículo elétrico que entra no mercado reduz o consumo dos combustíveis tradicionais.
Outro efeito esperado é a diminuição da arrecadação de impostos, em especial o ICMS estadual, que incidem fortemente sobre os combustíveis. É de se esperar que o fisco dará um jeito de taxar mais os elétrons para compensar a perda de arrecadação.
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Somado às dificuldades econômicas da transição, há ainda os desafios inerentes aos próprios VEs: baterias e infraestrutura de recarga. As baterias precisam ser menores, pesar menos, carregar mais rápido e durar mais tempo com uma única carga (os celulares passaram/passam por isso). É preciso que elas durem mais apesar das cargas e recargas contínuas. O custo precisa diminuir substancialmente também.
Na área de infraestrutura, uma grande frota de carros elétricos precisará de uma rede de postos de recarga, urbanos e rurais para assegurar conveniência e confiabilidade. A rede de energia elétrica precisa suportar vários carros recarregando ao mesmo tempo, numa mesma região. O sistema elétrico precisará de investimentos significativos, em especial nos principais centros urbanos, frente à maior demanda.
Por conta dos desafios da transição, é plausível imaginar que os veículos à combustão interna ainda terão amplo espaço no mercado por décadas, especialmente nos países em desenvolvimento, mas não reinarão sozinhos pois os veículos elétricos vieram pra ficar. Eis que o futuro eletrizante está chegando.