A HISTÓRIA DO COMBUSTÍVEL NO BRASIL EXPLICA MUITA COISA
O mercado mudou, a forma de precificação e de gestão de estoques está diferente hoje. Por que a revenda não consegue mudar? A história da revenda de combustíveis no Brasil mostra que muitas das gerações que estão hoje à frente de redes e postos passaram pelo período de controle de preços do governo.
Nessa época era tudo tabelado e o governo arcava com o ônus das altas ou baixas (essas bem raras) dos preços. Quando a redemocratização aconteceu trouxe consigo a ideia de que o governo já tinha muito atrito e que o mercado deveria se regular. Apesar de só modificar a ponta como forma de estimular a concorrência, o governo tirou das suas costas o fardo dos aumentos e jogou direto no colo do revendedor.
Durante anos, toda a culpa pelos aumentos, era derrubada nas costas dos revendedores que mal conseguiam explicar o porquê de aumentos e correções. Com isso só restava levar a pancada e continuar o barco, afinal o negócio ainda era lucrativo. E assim foi criando uma cultura em torno do negócio de que dono de posto subia os preços como quisesse e pronto, nem os Revendedores nem o governo tinham alguma intenção de desmistificar essa máxima.
Com a operação Lava Jato o Brasil mudou repentinamente e o jogo político de gestão da inflação pelo controle dos preços de combustíveis foi escancarado, e sob a pressão política do momento a regra do jogo mudou. Porém, como sempre, mudou de forma errada, incompleta e sem uma gestão eficiente com especialistas que entendem realmente do mercado.
Mais uma vez a pancada sobrou para os postos de combustíveis. Só que dessa vez as mudanças mercadológicas e o acesso à informação começaram a municiar a revenda de fatos e provas de que a gestão de preço não estava nas suas mãos e que como último elo da cadeia a menor parte do valor ficava com ela.
A revenda se aproveitou disso? Não! Continuou esperando governos, distribuidoras, o Papa, qualquer um que pudesse salvar o mercado e alterar esse estigma. Assim o mercado de combustíveis pôs os pés no novo varejo, com especulação diária de preços e com diferenças mercadológicas de acordo com os custos e planos de crescimento dos maiores distribuidores do país.
RELAÇÃO DISTRIBUIDORAS X POSTOS – “SOU EU GUARDADOR DO MEU IRMÃO?”
Os problemas enfrentados pela revenda não são exclusivos da categoria. Todos os ramos de negócios têm seus percalços e suas alegrias. É comum encontrar Revendedores insatisfeitos com os relacionamentos com suas distribuidoras estejam eles em contratos de exclusividade ou não. Com as mudanças no mercado atual em que a precificação começou a mudar de acordo com as variantes mercadológicas as empresas tiveram que se adaptar e rever vários conceitos.
É claro que as distribuidoras saíram na frente e entenderam que devido essas mudanças teriam que se adaptar e alterar a forma de se relacionar com seu único e poderoso fornecedor, a Petróleo Brasil S/A. O que antes se resumia a comprar combustível A do fornecedor, atentando a previsão de demanda passada pela própria distribuidora, cuidando para que não ultrapassasse a previsão ou deixasse saldo a retirar porque nos dois casos as distribuidoras pagam multa.
Como se pode ter, manter ou criar um mercado competitivo que pune o cliente (distribuidor) que compra mais do que tinha pedido ou menos do programado? Que tipo de fornecimento é esse? Era assim e ainda continua, só que com um agravante: se a distribuidora comprar produto antes de uma baixa vai perder margem no estoque, se comprar depois de uma alta também vai perder. Como se adequar a esse novo momento?
Gestão de estoque! Não tem outra saída. Demorou um pouco, mas logo as distribuidoras entenderam que não deveria alterar os preços imediatamente quando a Petrobrás baixava e tinham que majorar seus estoques quando a empresa anunciava alta. Isso é feito em todos os segmentos, setores, varejo, atacado ou até mesmo na indústria. Toda empresa tem que aproveitar as oportunidades de estoque e melhorar seus ganhos, afinal se vive no capitalismo.
Sendo o elo final da cadeia de fornecimento é a revenda que dá a sua cara a tapa para o consumidor. Ela recebe as críticas e leva grande parte da culpa. Houve mudanças ocorridas devido ao surgimento de vários especialistas e produtores de conteúdo do setor e isso tem aliviado, mas não erradicado o estigma de culpa da revenda pelos preços altos. O principal ponto de defesa dos postos de combustíveis é atacar seu fornecedor. Como pode uma distribuidora aumentar o preço no dia do anúncio e só baixar dias depois? Simplesmente: GESTÃO DE ESTOQUE!
As distribuidoras entenderam que precisam aproveitar as janelas de compras quando baixa e quando sobe a fim de ter margens mais competitivas, todos fazem isso, menos os postos de combustíveis. Quando a revenda bate à porta da distribuidora escuta um sonoro: “Sou eu guardador do meu irmão?”, essa frase foi usada por Caim para justificar a máxima que cada um cuida de si. O que você tem feito para majorar seus estoques? Como está seu capital de giro? Tem feito uma política de crédito mais austera nessa pandemia? Se o posto não tem feito as distribuidoras têm e com sucesso. Em momentos como esse o nível de inadimplência tem diminuído na distribuição por essa profissionalização do setor. A revenda precisa entender isso e iniciar sua transformação.
A transformação do mercado está na porta batendo o tempo todo, abre quem quer. Enquanto uns choram, outros vendem lenços, essa frase nunca foi tão real. Não são as distribuidoras ou o governo que vão resolver os problemas da revenda, ela mesma tem que resolver e se tornar protagonista do seu negócio ou tende a deixar que outros o façam.
Numa entrevista recente ao site Mercado & Consumo, Abílio Diniz disse:
“Eu nunca fiquei esperando nada do governo. O governo tem de colocar a economia andando, fazer com que ela funcione, que as coisas aconteçam, mas nunca esperei nada do governo. Acho que as coisas estão comigo, estão com os empresários. Os empresários têm de investir e acho que eles estão com disposição para investir. Eu sinto todos os empresários brasileiros tirando projeto da gaveta e com disposição para investir e é isso que estão fazendo.”
(Fonte: https://mercadoeconsumo.com.br/2021/06/14/abilio-diniz-momento-nao-e-de-retomada-mas-de-explosao-na-economia/)
A revenda precisa investir nela mesma. Precisa entender que o novo varejo exige mais posicionamento, melhores marcas, custos apertados, melhores atendimentos, múltiplos canais de vendas e tudo com excelência. Baixar o cordão, ligar a bomba e ficar sentado esperando o cliente está se tornando coisa do passado.
NOVO VAREJO E MUDANÇAS NO MERCADO
Muita concorrência, margens apertadas, mercados instáveis, alta de custos, necessidade de ampliação de força de atendimento, customização de serviços, concorrentes focados em preços, grandes empresas vendendo para pequenos, ampliando seu mercado, concorrência desleal quanto a pagamento de impostos. Isto se refere a revenda de combustíveis? Essas nuances se referem ao novo varejo, no qual a revenda de combustíveis está inserida. Não é privilégio postos de combustíveis ter todos esses obstáculos no dia a dia que crescem a cada inovação. Não adianta gerir um posto de combustíveis hoje como há 15 anos atrás.
O mercado passa por uma transformação gerada por uma era de grandes avanços tecnológicos e isto reflete em uma busca do consumidor pela diferenciação e atração para o analógico. Como assim, o posto não deve se modernizar? Sim, claro que deve, mas não se deve esquecer que apesar de todos os avanços atuais, quem está com o celular na mão é um ser humano e às vezes o calor humano e a empatia são dispersores de maus pensamentos e geradores de boa experiência.
O novo varejo traz consigo um avanço muito grande na velocidade. Velocidade de atendimento, de cadastro, de compra, de pagamento e de consumo. Muitas vezes essa velocidade impacta na percepção da experiência do consumidor. Alguns Postos e Revendedores estão ainda em 1950. Apesar de todas as mudanças, do cashback e dos aplicativos de pagamento terem chegado à revenda, pouco foi mudado em todos os aspectos do negócio. A revenda precisa se atualizar e entrar de vez no século 21.
Faça a seguinte análise em seu Posto, depois das novas tecnologias, em quanto tempo diminuiu o processo de pagamento? Em quanto tempo as novas e modernas bombas diminuíram o abastecimento? Quais mudanças nos visores das bombas impactaram em melhorias para o consumidor? Você já fez um teste de níveis de ruídos no seu posto para verificar o ambiente? Como está a iluminação à noite? Uma mulher se sentiria a vontade de sair do carro e ir até o caixa realizar um pagamento ou até mesmo ir até a loja de conveniência? Sua loja de conveniência é conveniente?
São aspectos como este que tornam diferenciais em geradores de receita. Não existe uma fórmula de bolo pronta para o novo varejo, precisa-se estar antenado às tendências, conhecer os clientes e se antecipar às mudanças. Bom planejamento sem uma execução adequada é como nadar com um bote em alto mar, pode até chegar, mas vai depender de outros. E a revenda tem que parar de depender de outras empresas, comércios ou governos para resolver seus problemas.
GESTÃO DE COMPRAS – QUEM FAZ A COMPRA PARA VOCÊ?
Um dos maiores desafios da revenda é a gestão de estoque. Independente de o Posto ser bandeira branca, bandeirado ou marca própria as compras de insumos e produtos respondem pela maior parte dos custos da sua empresa que automaticamente empurram a sua margem, forçando o resultado.
Como você realiza as compras do seu Posto? Quais índices você considera, dólar, barril, etanol, notícias de mercado, paridade internacional? Prazos de compras, fornecedores, feriados, vendas médias, ações de marketing, calendário de pagamentos de funcionalismo público, calendário escolar, obras e empresas ao redor, quais destes destaques você conhece ou considera na hora de fazer a sua compra? Nenhum? Achou muito? Pois tem muito mais, coisas do novo varejo.
Será que é comum um revendedor ligar para o assessor da companhia e dizer: Me envie diesel o mais rápido possível porque um cliente meu veio e carregou 4000 litros de s10 na melosa! – Raro? Você tem conversado com seus clientes? Tem visitado seus maiores e fiéis clientes? Tem visto sua operação? Tem proposto melhorias e compartilhado conhecimento? Nunca! A margem do posto não permite! Correto, mas será que não permite por que você não faz isso, ou por não fazer isso ela (margem) não permite? Quanto custa você pegar um carro e ir visitar a obra ou escritório do seu cliente? Lembre-se que num mundo tecnológico o relacionamento pessoal é uma chave que abre muitas portas.
O cadastro dos fornecedores é primordial para o controle de suprimentos de qualquer negócio. Também é assim com os Postos. Mas sou bandeirado! Então maior deverá ser o seu controle. Você sabe como funcionam as liberações de pedidos no seu fornecedor? Você compra CIF ou FOB, com ou sem seguro? Como está a base de suprimentos do seu fornecedor? Qual foi a última vez que você a visitou? Ainda no bandeirado, quantas vezes trocou o assessor da sua distribuidora? Você já foi à sede conhecer o padrão da operação? Não! Porque eles não dão a passagem! – Sério isso? O fornecedor tem que pagar para você ir conhecer a sua operação? E olha que você depende exclusivamente dele!
Para os Postos bandeiras brancas e marca própria servem todas as questões do parágrafo anterior e mais outras como: Quantas distribuidoras você tem cadastradas no seu sistema com as informações de preço, bases de atendimento, preços de fretes, informações de seguro e contatos dos assessores, financeiro e base? Por que o Posto precisa disso? Precisa de muito mais, precisa entender e conhecer os fornecedores, ter cadastro atualizado para compras inclusive a crédito. Não basta esperar contato pelo WhatsApp. E assim que você compra? Pede preços pelo zap?
O novo varejo não permite erros, não permite amadorismo, não aceita desaforo. A revenda precisa se profissionalizar e isso não é só ter o melhor software do mercado ou contratar o melhor gerente e encher a equipe de treinamentos. Tem muito a ser feito. O que antes era diferencial hoje é básico, a revenda precisa entrar de vez no século 21 e aceitar as normas e regras do jogo do novo varejo.
FORMAÇÃO E ESCALAÇÃO DO TIME
Quando se fala em formação de uma equipe ou um time se pensa em contratados de carteira assinada. Grande engano. Seu time deve ser formado pelos melhores do mercado e para isso você terá que dividir esse custo. Existem diversos profissionais que atuam no segmento que tem muito conhecimento a oferecer e o mais importante tem uma visão distinta. A revenda precisa acabar com a ideia de que o dono do posto tem todas as chaves do reino. Não tem.
O posto só vai gerar o lucro se for capacitado e bem orientado. Empresas não vendem produtos ou ganham lucros, equipes sim. A formação da equipe é fundamental para isso, sejam profissionais, empresas de sistema, escritórios de contabilidade ou até mesmo especialista do setor.
O ato de formar equipes torna o revendedor um empreendedor. Não se multiplica algo com nada, é preciso multiplicar com mais, com outros, e assim conseguir atingir os objetivos. O novo varejo não quer saber se a distribuidora A ou B fez isso com você, se o governo só atrapalha ou etc. o consumidor quer ser atendido da melhor forma e esse jeito não é você quem vai determinar, é ele. Ele manda, ele diz, mas para isso você precisa escutá-lo.
Deixe o Posto de ontem nos anos 50 e abra as portas para o novo, nova gestão, nova equipe e executar os planos, só assim a revenda atual pode ter alguma chance de sobreviver ao novo mercado sem se deteriorar sendo a principal causa da sua ruína: ela mesma. Como disse o consultor Nélio Wanderlei, ao me sugerir o nome do artigo: “a autofagia (praticada pelos postos de combustíveis) com toques de vaidade é o estopim do genocídio da revenda de combustíveis no Brasil.”
Busque o melhor, prepare-se para o pior e esteja com os bons do mercado.
Se tiver dúvidas, convido o leitor a conhecer o CANAL DO ERRJOTA no Youtube e no Instagram @canaldoerrejota para explorar este e outros temas relacionados a logística, comportamento e consumo.